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Palavras do Prof. Luis Carlos Marques Fonseca no seminário 30 anos da Convenção sobre os Direitos da Criança

Palavras do Prof. Luis Carlos Marques Fonseca no seminário 30 anos da Convenção sobre os Direitos da Criança, no STJ, em 09/10/2019:

“Bom dia, damas e cavalheiros; meus cumprimentos à Mesa, especialmente ao Ministro Noronha, a quem agradeço pela honra de participar deste evento.

Não sou da área jurídica, mas da área filosófica. E seria bom uma reflexão sobre os direitos da criança sob a ótica filosófica, não sob a ótica jurídica, legal. Isso virá depois, se a gente concluir qual realmente é a verdadeira necessidade da criança.

Creio que é quase unanimidade, quase todos concordam, inclusive Platão também falava isso, que o ponto mais importante é a educação, que toda criança tem direito à educação.

Creio, como filósofo, que a educação não é um direito só da criança; também é um direito do adolescente, é um direito da pessoa durante as etapas naturais da vida, é um direito inclusive de uma pessoa que já está se despedindo da vida, porque também tem que aprender não só a viver, mas a morrer, aprender a passar por todas as etapas de forma digna, realizada e feliz.

Poderíamos falar muito sobre a educação, poderia até ser um seminário sobre educação, não vou entrar no mérito, mas apenas tecer alguns comentários essenciais, fazendo aqui um paralelo para possibilitar o entendimento de todos.

Normalmente se compara o trabalho do educador com o trabalho do agricultor. A primeira coisa que o agricultor tem que fazer é reconhecer a natureza da semente. Por quê? Porque ele vai fazer a semente se desenvolver de acordo com aquilo que ela é, e não de acordo com aquilo que ele gostaria que a semente fosse. A primeira coisa que ele faz é identificar; se é, por exemplo, uma semente de laranja, ele espera que ela produza laranjas e não abacates. Isso é muito importante no processo de educação, porque, em geral, quando olhamos para uma criança, nós projetamos as nossas convenções sociais em cima da criança, esperamos que ela seja uma coisa que gostaríamos que ela fosse e não aquilo que ela é. Então o educador teria que ter essa sensibilidade de penetrar no coração da criança para fazer com que ela desenvolva aquilo que ela é, assim como faz o jardineiro, que, quando identifica que é uma semente de laranja, começa a agregar água na proporção correta para não afogá-la nem deixá-la seca; terra na proporção correta, sol na proporção correta, vento na proporção correta. Ou seja, ele começa a pensar em justiça para aquela semente; e quando ele faz tudo, dando o melhor de si para a semente, a semente produz o fruto, a laranja. É algo interessante, porque, na sua generosidade, ele fornece o que a semente necessita, e, na sua humildade, ele reconhece que a semente também tem algo a aportar para ele, porque ele não viveria sem a laranja.

Entende-se isso como o fluxo natural da vida, em que por generosidade eu dou e por humildade eu recebo. É uma corrente que liga um ser tão diferente como o humano a uma semente de laranja, que liga as diferenças e que faz um fluxo de vida vital. A esse fluxo, a essa corrente, chamamos de amor – fazer circular a semente.

É esse exatamente o ponto que destaco no trabalho do educador. Ele também deveria conseguir identificar o que ele tem que fazer desenvolver naquela criança.

Muitas vezes, pensamos que a criança necessita ser educada no sentido de ser um engenheiro, um médico, uma habilidade para que ela produza algo. Evidente, para isso necessitamos de uma formação técnica. Mas, se fosse só formação técnica, se fosse só produzir algo, faltaria um ponto importante, porque, se é uma pessoa vaidosa, uma pessoa orgulhosa, uma pessoa ambiciosa, falta um elemento ainda, que seria uma pergunta que eu faria para a gente refletir.

Qual é a semente, qual é o fruto próprio de um ser humano? O que o ser humano tem que produzir que o transforma em Ser Humano?

Porque, se o educador não sabe o que vai alimentar no coração da criança, ela será um ser produtivo como um robô, mas não um Ser Humano. Então, o que teria que nascer no coração da criança? É aí que vamos encontrar em todas as tradições algo muito importante. O que faz com que as qualidades do ser humano revertam realmente para o bem da sociedade é a Bondade. Por isso que todos os seres iluminados falaram que desenvolver o coração de uma criança significa desenvolver a bondade que está latente no seu coração, como a laranja está latente na semente, que teríamos que fazer crescer para que ela predomine; para que não seja somente um médico, mas um médico bondoso; para que não seja somente um advogado, mas um advogado bondoso; para que essa bondade faça com que circule a energia, que ela dê para a sociedade e recolha da sociedade, para que haja fluxo de vida entre a criança e a infinidade de experiências das quais ela terá que participar; por exemplo, em sua casa, ela deveria participar das brincadeiras com os cães, mas se ela só brinca e se diverte com os cães, ela simplesmente está tirando dos cães, mas ela tem uma necessidade, tem que ajudar a tratar dos cães, a mantê-los. Ela pode participar da cantiga dos pássaros, mas tem que aprender a proteger os pássaros e a tratar deles. Ela pode participar da alegria e de tudo que os pais fazem para ela, mas ela deveria aprender também a participar da rotina da casa, a dar um pouco para a casa, para ela saber que amor é dar, não é só receber. Para que haja o fluxo da vida, para que haja interligação entre as coisas, entre o homem e a semente, entre o homem e os pássaros, entre o homem e outro ser humano, para que haja vínculo, tenho que dar e receber.

Estamos em um mundo em que às vezes pensamos só em receber, às vezes pensamos só em dar, e não fechamos o ciclo da vida. Os seres humanos estão ficando isolados, estão ficando à parte, ou muito egoístas e não dão. Isso faz com que a vida não crie vínculo, não crie força de unidade, não crie amor.

Penso, quando falamos de direitos da criança, que a educação é um dos principais, mas, sem amor, não creio em educação. Portanto, penso que o principal direito da criança é ser amada. Este é o nosso dever: amar a criança tal como ela é, para que seja ela mesma, não um ser produtivo a mais na sociedade. Penso que, se fizéssemos isso, reuníssemos pessoas que possam amar umas às outras, e que não alimentassem tanto o foco nas diferenças, nas revoltas, nos ódios, aí poderíamos realmente construir uma sociedade melhor.

Mas, sem esse vínculo de vida, que as pessoas reconheçam que têm muitos direitos, mas que também têm deveres perante os demais, que nós podemos obter, mas também temos que dar, é muito importante considerar esse aspecto, os direitos de todos os seres humanos e os deveres de todos os seres humanos, os direitos da criança e os deveres da criança.

Muito obrigado. Espero que vocês tenham boas reflexões neste importante seminário.”