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Possíveis aportes da moral Estoica para o momento atual e as políticas públicas Brasileiras

Contexto

Ao observarmos atentamente os dias atuais, verificamos que a humanidade atravessa um contexto histórico pleno de contradições e desafios, onde ocupam posição de destaque as tensões, os conflitos, a insegurança, a indiferença, a perplexidade e principalmente o egoísmo, responsáveis por ampla manifestação de agressividade, ansiedade e angústia no âmbito das coletividades.

Os males que corroem e degradam as sociedades não são uma novidade entre nós e estiveram presentes, por exemplo, na antiguidade clássica greco-romana, quando o declínio dos valores morais significou a quebra da unidade e mesmo a ruína de Impérios e Estados.

No passado, a Filosofia Estoica, nascida na Grécia no século III a.C., com base nas ideias precursoras de Zenão de Cítio e logo disseminada pelo Império Romano, representou um contraponto ao progressivo quadro de deterioração de valores presente na sociedade de então. Propunha o fortalecimento dos princípios éticos como condição fundamental para o bom convívio entre os homens e para o alcance de seu supremo objetivo, a felicidade. A eudaimonia – ou a felicidade – poderia ser apenas alcançada com o domínio de si mesmo (ataraxia) que deveria ser vivida a partir da prática das virtudes.

Seguiram as ideias de Zenão pensadores como Cleantes, Ariston, Zenão de Tarso, Diógenes, o homem público Sêneca, o escravo liberto Epicteto e até o notável imperador romano Marco Aurélio.

O valor da Filosofia Estoica

Os estoicos eram assim chamados pois iniciaram suas pregações nas proximidades do Pórtico Pintado (Stoa poikile, em grego antigo), localizado no lado norte da Ágora de Atenas e apoiavam suas convicções na busca de virtudes atemporais como a coragem, a justiça, a temperança e a sabedoria.

Para eles, o Universo decorreria de uma Infinita Matéria Viva e Unitária, de onde tudo parte e para onde tudo retornará onde se pode fazer um paralelo com as teorias físicas modernas de surgimento do mundo e sua possível reabsorção futura num ponto único. O mundo para eles deveria ser compreendido a partir de uma visão unificada, na qual caberiam uma dimensão física das coisas e uma ética natural. Ao homem caberia entender a vida como um eterno ciclo que se repete ritmicamente em seu caminho evolutivo, onde cada ciclo tem um matiz de purificação maior que o anterior.

Dessa forma, tudo o que nos sucede obedece a um propósito de necessidade e finalidade, para que possamos viver o que se faça necessário em nossas existências, de modo a nos tornarmos, como finalidade, cada vez melhores. Assim, deveríamos viver uma vida simples e despojada, sempre amparados pela razão, aceitando o que não temos o poder de mudar e usando cotidianamente a autodisciplina, o autocontrole e a prática de virtudes em nossas vidas.

Para os estoicos, deveríamos viver com intensidade e objetividade o momento presente, sempre aprendendo a desenvolver a nossa capacidade de lidar com o medo, a dor e as adversidades, posto que são contingências inerentes à condição humana.

Deveríamos, também, adotar uma atitude resiliente no dia a dia, fazer um bom uso do tempo e, sobretudo, buscar viver, de forma permanente, em harmonia com a natureza.

O sentido mais preciso desses ensinamentos estoicos pode ser compreendido com base nos seguintes princípios:

  1. Desenvolvimento da razão
    Para os filósofos estoicos, o ser humano pode e deve viver guiado pela razão, não devendo sucumbir aos impulsos dos prazeres e paixões. Só dessa forma, refletindo sempre antes de agir, seria possível construir um caminho virtuoso e sábio, fundado na bondade e em nossa evolução como seres humanos, na direção da felicidade.
  2. Autocontrole e Autodisciplina
    Deveríamos assumir as rédeas de nossas vidas, controlando o que pensamos e a forma como agimos, definindo metas e objetivos factíveis, bem como aprendendo a descartar o que é supérfluo e dispensável em nossas vidas.
  3. Concentração no que podemos controlar
    Frequentemente nos deparamos com situações e problemas que escapam ao nosso controle. Se não temos o poder e os meios para intervir, na expectativa de que as coisas melhorem, melhor aceitar do que lutar contra elas, guardando-nos para fazer o melhor, naquilo que de fato nos compete. Isso não implicaria em passividade, mas sendo muito ativos onde nos cabe atuar.
  4. Resiliência
    Este atributo representa a capacidade de nos mantermos firmes frente aos desafios e adversidades que precisamos superar. É com firmeza e auto-disciplina que podemos estar sempre motivados, reunindo o melhor de nós mesmos para fazer face a esses embates.
  5. Bom uso do tempo
    Os estoicos tinham a convicção de que devemos viver intensamente o presente, sem maiores preocupações com o passado e com o futuro. Usar bem o tempo seria saber agir sabiamente, tirando o melhor proveito de cada momento vivido.
  6. Harmonia com a natureza
    O reconhecimento de que todas as coisas na natureza estão interconectadas, levou os estoicos a observar uma condição de reverência às leis naturais. Julgavam indispensável que os homens, seres sociais e racionais, são parte da natureza, e em todos os seus atos deveriam estar harmonizados com ela.

Ao falarmos do Estoicismo, estamos nos referindo a uma filosofia eminentemente prática, capaz de se manter viva até os dias atuais, e aplicável em diferentes circunstâncias da vida pública e privada.

A aplicação dos princípios Estoicos hoje

Resgatar princípios éticos que tenham um espírito filosófico e eclético trata de olhar para ação pública de maneira mais profunda. Faz parte do papel do governo um trabalho de educação civilizatória que possa ajudar as pessoas a se relacionarem entre si em torno de objetivos comuns de crescimento e florescimento das potencialidades humanas.

Trazer princípios éticos claros para as políticas públicas ajuda a humanizá-las e considerar que não basta instruir, mas é necessário educar, não basta tratar da doença, mas é importante promover a saúde, não basta ajudar, mas é importante construir fortaleza interna, não basta punir, mas é necessário ajudar a florescer a semente de bondade que existe no coração de cada ser humano. Seguem abaixo alguns exemplo de como os princípios éticos do estoicismo poderiam ser aplicados nas políticas públicas no Brasil.

Educação

Faz falta a capacidade de formar alunos para a vida. A educação tem um caráter mais informativo que formativo. Os profissionais da educação em muitos casos não tem na carreira uma prioridade, mas uma segunda opção. Além disso, a escola tem se tornado um ambiente cada vez mais hostil, com crescentes casos de violência no ambiente escolar.

A contribuição mais relevante que se pode esperar nessa área, está associada ao objetivo de formação de um caráter sólido e íntegro do alunado, a partir do estímulo que cada estudante teria em incorporar com habitualidade o raciocínio lógico e a reflexão em sua conduta diária. Como desdobramento dessa prática, torna-se previsível o florescimento de pensamentos e ações claras e bem articuladas, que se conjugam com a noção de foco, com o esforço consciente e perseverante, com bons rendimentos nos estudos, com alto nível de sociabilidade e com sólidos valores éticos.

Seguem alguns possíveis caminhos de políticas públicas educacionais inspiradas pelo estoicismo:

  1. Incorporação do princípio da Areté – excelência do caráter – juntamente com um programa voltado para a formação de virtudes para a comunidade escolar – pais, professores e alunos;
  2. Incluir na formação dos professores currículo de formação para a vida, para que possam orientar os alunos no desenvolvimento de habilidades de relacionamento consigo mesmo, com a vida e na resolução de problemas práticos do cotidiano;
  3. Incluir na formação dos professores a promoção da saúde mental dos profissionais e dos alunos trazendo a educação de forma ampla que passa pela construção de resiliência e vida interior;
  4. Incluir disciplina de raciocínio lógico e diálogo auxiliando os alunos a desenvolverem uma mente esclarecida e uma capacidade de articular pensamentos e opiniões.

Saúde

A saúde no país sofre de uma sobrecarga no sistema, onde há uma demanda não suprimida por atendimento médico e deficiências na área de infraestrutura, equipamentos e medicamentos. Além disso, há uma visão limitada da saúde, com foco na doença e crescentes problemas de drogadição e saúde mental, sendo estes reflexos de uma sociedade em que jovens e adultos estão cada vez mais desnorteados sem princípios claros de vida.

Possíveis políticas públicas inspiradas pelo estoicismo poderiam contemplar:

  1. Inclusão no currículo escolar de educação para a saúde e as causas mais profundas das doenças, incluindo aspectos psicossomáticos e ainda hábitos de vida físicos, psicológicos e sociais para a promoção de uma vida equilibrada e feliz;
  2. Inclusão na formação dos profissionais de saúde de uma visão mais integrada do ser humano, para além do aspecto biológico, incluindo aspectos de ordem psicológica, social e espiritual com vistas à consideração do paciente como um ser de várias dimensões, onde a doença física costuma ser reflexo de desequilíbrios em outros campos da vida;
  3. Promoção da saúde dos próprios profissionais da saúde que muitas vezes possuem estilos de vida que adoecem e carecem de uma formação mais humana e filosófica.

Proteção Social

As políticas de proteção social tem histórico no País de serem marcadas pelo assistencialismo. Apesar dos avanços em tornar as políticas públicas nessa área mais objetivas e técnicas, ainda há muita corrupção na entrega de benefícios e a falta de integração entre políticas de proteção e promoção das pessoas em situação de vulnerabilidade social.

Neste caso, o estoicismo poderia inspirar os seguintes aportes:

  1. Associação de políticas de proteção social ao aspecto formativo de desenvolvimento das potencialidades individuais (virtudes/poderes latentes) para que os beneficiários das políticas possam traçar sua trajetória de crescimento pessoal e familiar;
  2. Educação para a resiliência não conformista, mas a resiliência transformadora, que gera fortaleza e ao mesmo tempo motivação para a mudança individual e comunitária;
  3. Estimular iniciativas de organização comunitárias e associações de bairro que possam auxiliar o aporte das políticas públicas e que possuam um caráter explícito de desenvolvimento das potencialidades dos envolvidos.

Meio Ambiente e Defesa Civil

Os problemas ambientais aumentam com a mudança climática que traz o incremento de eventos adversos como secas e chuvas intensas, gerando migrações e prejuízos de toda a natureza, promovendo tragédias humanas e sociais. Além disso, a vida nas grandes cidades distancia o ser humano dos seus ciclos naturais e o expõe a um estilo de vida que adoece em meio à poluição, contaminação da água, solo e uma desconexão com a natureza. Essa desconexão moderna não apenas com a natureza, mas entre as próprias pessoas tem gerado um ciclo de aumento da cultura do ódio e da xenofobia em todos os níveis como um fenômeno global.

O estoicismo tinha como filosofia uma forte conexão com a natureza. Caberia ao ser humano compreender com a sua razão a dinâmica da natureza e se harmonizar com ela. Políticas públicas inspiradas pelo estoicismo poderiam incluir:

  1. Promoção de ações educativas para gerar sensibilidade para os ciclos da vida – incluindo filosofia como forma de gerar conexão entre o ser humano e o meio à sua volta;
  2. Fortalecimento de redes de apoio mútuo com caráter voluntário para lidar com situações adversas de crise individual, social, econômica e ambiental;
  3. Educação para a virtude da adaptabilidade e resiliência com habilidades concretas para lidar com situações adversas, acidentes e proteção às residências, famílias e entorno;
  4. Promoção do valor da fraternidade universal sem distinção de cor, credo, condição social, sexo etc. – o que se coaduna com o uso da razão e considerar todo indivíduo como dotado da mesma essência universal;
  5. Aumento da disponibilidade de parques na cidade e uma orientação paisagística que gere ao ser humano uma convivência em ambientes naturais e belos que o façam perceber melhor a sua relação consigo mesmo e a natureza e se harmonizar com a vida.

Debate sobre Estoicismo, Senado, 18.09.2023.