fbpx

Crise ou Oportunidade: questão de escolha

As crises são tomadas normalmente como ponto de mudança, inflexão, um marco entre um momento e outro, entre o presente e o futuro. Mas, como atuar diante destes momentos de pressão? Como podemos aproveitar as crises para crescermos e nos transformarmos? Existe um drama coletivo em que muitos são carregados. Como construir a nossa individualidade de forma tal a não sermos levados pelas influências daqueles que estão em estado de desespero e ansiedade? Este artigo tratará do que é a crise, qual o seu sentido e como podemos nos posicionar diante dela.  

Em primeiro lugar, há que se considerar que as crises são naturais e parte da vida. A vida implica em mudança contínua. Nada para, passamos da infância à adolescência, da adolescência à fase adulta, da fase adulta à velhice e depois ao processo de morte. E dizem, quiçá, para o além vida e talvez, mais ainda, para uma nova fase da nossa trajetória evolutiva. Em todos estes momentos, existem crises. Todo processo de mudança radical e quando é abrupta e rápida tende a gerar dor, pois pressiona um reposicionamento nosso diante da vida, obriga um crescimento, obriga-nos a sermos diferentes. É como a queda de um mundo, um cenário de experiência e o nascimento de outro. Este é o momento da crise, quando necessitamos mudar de patamar de consciência. É o momento de maior tensão.

Há um artigo muito interessante falando sobre crise que faz uma brincadeira sobre uma pessoa nascida no início do século passado. Imaginem que seja um alemão, que passa pela Primeira Guerra Mundial (1914-1918), pela crise da bolsa de 29 em Nova Yorque que afeta o mercado financeiro global, que vive a gripe espanhola em 1918 (que mata 500 milhões de pessoas), vive depois a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), e dependendo de quanto tempo vive, ainda consegue acompanhar a crise do petróleo na década de 1970. Isso mostra que nossa sociedade está quase que em permanente crise e processos de ajustes, em maior ou menor grau. Hoje, por exemplo, as disputas entre EUA e China podem gerar um conflito de proporções globais. Aliás, o nosso momento histórico não é de muita união, mas de sectarismo em vários níveis. A diferença, diria, que agora, nesse momento de pandemia, é que estamos todos sendo afetados, e a hiper comunicação via whatsapp, redes sociais, jornal na internet, jornal na TV faz com que aumente o alarde em torno do COVID-19. E talvez, sejamos nesse momento histórico, um pouco mais dramáticos.

Vamos falar um pouco de etimologia para compreender a essência da crise. A palavra crise vem do grego, krisis, que significa decisão. Em chinês, o ideograma para crise fala de ´ponto crítico de perigo`. Há ainda um uso comum para a palavra na área da saúde. Neste caso, a crise é tida como um momento crítico de evolução de uma doença, em que ora a pessoa se recupera ou vem à morte. Esta visão etimológica e o uso na área de saúde mostram três fatores em torna da crise: 1) A ideia do perigo; 2) A importância da decisão; 3) Possibilidade de subida ou queda. Isso explica por que diante de uma crise há um medo natural, pois há uma bifurcação no caminho, em que a depender da nossa decisão ou posição interna, o que estamos vivendo pode ter ou não um desfecho favorável. Bom, neste caso, há que se falar sobre o desenvolvimento da nossa capacidade de lidar com o perigo, de sabermos decidir e sermos capazes de encarar tanto a perda quanto a vitória. São nos momentos mais críticos que necessitamos saber decidir. É na crise que o que temos dentro vem à tona, seja nossa grandeza interior ou nossa debilidade. A crise nos testa!

Há que considerar ainda, que nas crises coletivas, como é o caso desse momento de COVID-19, as pessoas são afetadas de forma muito diferente. Tenho ouvido histórias muito diferentes em relação ao COVID-19. Há relatos de meninos de 15 anos ganhando dinheiro com delivery, pessoas que receberam promoção e estão ganhando mais, negócios que aumentaram com o COVID-19 e também, claro, histórias (mais numerosas) de pessoas que são autônomas e estão com dificuldade para ganhar dinheiro. Isso mostra que existe um momento coletivo, mas também existe o fator individual e temos que saber olhar para o indivíduo. Para alguns, a crise representa um drama, para outros, é um momento de vida em que a vida continua, há várias oportunidades de crescimento, surge a criatividade e a pessoa enxerga que é preciso crescer. O que faz a diferença num momento como esse é a capacidade de resiliência que temos para lidar com as transformações da vida. E se não estamos sendo afetados pelo COVID-19, saiba que vai chegar um momento em que sim, sua vida entrar em crise, e tudo vai mudar, pois essa é a dinâmica natural da vida. Dessa forma, independentemente de qualquer coisa, temos que nos preparar para saber lidar com qualquer situação que a vida nos apresente.

Como podemos, assim, lidar com a crise? Existem 4 fatores fundamentais:

1) Uma psique centrada, sóbria e objetiva, sem desespero, que não entra no drama coletivo;

2) Desenvolvimento da inteligência e das potências humanas da criatividade, da disciplina, aumento da capacidade de trabalho e de gerir bem o tempo. Se somos fortes e capazes, sabemos enfrentar as adversidades da vida, pois temos em nós poder interno, as ferramentas para superar os obstáculos;

3) Um eixo e um sentido de vida claro, um senso de propósito maior. Não podemos nos deixar carregar pela enxurrada de informações coletivas, isso turva a mente. Temos que saber sempre voltar intimamente ao nosso próprio coração e direcionar a nossa vida para os ideais mais profundos que temos. Estes são necessariamente associados à própria evolução, a algo mais transcendente, valoroso, do ponto de vista humano. Isso não significa uma crença religiosa, pode até passar por isso para algumas pessoas, mas não necessariamente. Isso significa uma visão de vida maior, em que estamos inseridos dentro da caminhada do Universo, pois isso nos dá uma perspectiva do que é Real.

4) Flexibilidade, acostumar-se com a mudança e se adaptar a ela.  Se tudo muda mesmo, temos que nos acostumar a isso e sermos muito flexíveis. Se é para mudar, que bom, seguimos adiante.

Temos que investir em nós mesmos, que é em última instância, o que temos, a nossa capacidade de nos posicionar diante da vida, nossas potências humanas em movimento.

De maneira bem objetiva, para nos prepararmos para uma situação de crise, seja presente ou futura, deveríamos pensar sobre o assunto. Para sabermos agir nos momentos de dificuldade, elas não deveriam nos surpreender ou nos surpreender menos. Temos que estar preparados em momentos de paz para a guerra da vida. É assim que se faz no exército, treina-se, treina-se, até que surja a necessidade objetiva de atuação. Isso significa que podemos nos preparar para as crises fazendo os seguintes exercícios:

  1. Refletindo sobre possíveis cenários (possíveis crises econômicas, sociais, familiares, de saúde). As Forças Armadas fazem isso, elaboram cenários e possíveis planos de ação.
  2. Elaborando um plano de ação frente aos possíveis cenários com seus riscos envolvidos. Um plano de segurança passa por isso –  quais são os riscos envolvidos? Como posso preparar para eles? Tenho reserva econômica suficiente? E as pessoas que estão comigo? É preciso pensar adiante.
  3. Construindo uma rede de apoio comunitário, familiar, da vizinhança, grupos dos quais fazemos parte. Não devemos estar sozinhos. Somos uma família humana, e temos que saber cuidar uns dos outros.

De forma geral, pouca gente faz isso, mas há o caso de pessoas muito ricas, que tem muito a perder, e que costumam fazer isso. Essas pessoas já têm o plano A e o Plano B no caso de uma crise da economia global, uma crise na economia do país, um colapso social. Pensamos pouco nisso, mas a sociedade pode colapsar mais rápido do que imaginamos. Uma crise de água ou de energia que nos deixasse sem comunicação faria a ordem vigente colapsar rapidamente. É o dia-a-dia de muitos países na África em situação de conflito permanente, guerra civil etc. E por isso também que as grandes corporações se preparam, organizando um plano que passa por um alarme, uma análise de risco, uma resposta, uma gestão da crise, a fase de resolução e de recuperação.

De toda forma, tudo isso pode falhar! E então, o que fazer? Sobretudo, desenvolver capacidade interna para confiar em si mesmo. Há uma história muito bonita do mestre de Kung Fu. Mostra como ele vinha de uma família rica, perde tudo o que tinha em uma guerra em que tudo muda e depois tem que se reconstruir. Mostra a vida dura da pobreza e ao mesmo tempo a força interna que ele desenvolve e a nobreza para se reerguer. Temos que ser fortes e  resilientes para estarmos bem independentes de qualquer circunstância. Há que desenvolvermos uma estrutura interna – para também termos força para ajudar os demais. Essa é a proposta da Filosofia à Maneira Clássica.

Melissa Andrade Costa, professora de Nova Acrópole