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Voluntariado: vontade de poder

No dia 05 de dezembro celebramos o Dia Internacional do Voluntariado. A data foi instituída pela ONU como uma forma de reconhecer e promover o trabalho voluntário ao redor do mundo. Não escapa à atenção o fato de que o voluntariado tem sido abraçado cada vez mais por seres humanos e instituições, o que é uma esperança. Mas, como tudo que é humano, pode ser aperfeiçoado. Já encontrei vários tipos de voluntários; os que faziam por se acharem em falta com os homens ou com Deus; os que sentem a necessidade de sacrificar-se em prol do bem alheio… Ambos são válidos, e até belos, mas, normalmente, um acaba tendo data para terminar, quando se imagina ter “findado a dívida” por faltas cometidas, enquanto o outro pode carregar consigo o sentimento de lamento por perder algo de maior valor em termos de prazer e satisfação. Claro que é melhor isto do que não fazer nada, mas buscar harmonizar fins e meios, também é virtude. Lendo Nietzsche, encontrei a expressão “vontade de poder” e lembrei-me de que voluntariado vem do latim voluntas, vontade. Não seria essa uma boa explicação para um legítimo voluntariado? Ele diz que é inútil a moral que busca…

A amizade

“Amigo é coisa para se guardar debaixo de sete chaves, dentro do coração…” Coisa boa é lembrar a voz cheia e melodiosa de Milton Nascimento cantando. E nós caprichamos na afinação, pois o verso é bonito e inspira. Mas lá vêm os filósofos com questionamentos complicados: O que é guardar alguém no coração? Esse músculo que trazemos no peito não guarda nada, nem o sangue: bombeia para todos os lados. Será o coraçãozinho vermelho do papel de bombom? Este significa o quê? Acho que uma emoção agradável, assim como a que tiramos do chocolate, só que vinda de uma pessoa.Será que uma amizade é isso? Papo agradável, bom de bola, ouve boas músicas… Mas se não tenho o “amigo” à mão… Vou ao cinema, que me proporciona mais ou menos a mesma coisa: distração e fuga da solidão, ou seja, saciedade das minhas necessidades… É este o coração que o Milton recomenda guardar tão bem? Este, caso se perca, encontra-se de novo na bomboniere mais próxima, em geral, a preços módicos.Talvez seja mais fácil começar do amigo, para, depois, achar o coração. O que me diz esta palavra? Quando lembro de amigo, lembro de alguém que sempre dá o que…

Fraternidade: sobre como forjar laços e quebrar barreiras

Fraternidade, em sua etimologia, trata da relação entre irmãos. FRATER = irmãos. Mas como fazer isso em um mundo tão polarizado, que prega o individualismo acima do bem comum? Lembremos que, se somos irmãos, é porque temos uma fonte em comum. Pode ser um pai e uma mãe física, pode ser uma mesma comunidade, uma mesma cidade, um mesmo país, um mesmo movimento de idealistas que trabalham juntos, uma mesma natureza humana ou uma mesma natureza em geral. Para termos o sentimento de fraternidade, o primeiro ponto é termos consciência dessa fonte comum, que em geral não temos. O segundo ponto: quando reconhecemos alguém como irmão, temos mais paciência, mais tolerância, mais capacidade de reatar laços, porque não se pode desistir daquele que é um irmão. Tudo começa por uma questão de posicionamento mental diante da vida. Se colocarmos a humanidade em grupos cada vez maiores, não de uma vez, porque a natureza não dá saltos, mas primeiro o vizinho, a comunidade, a cidade e, ao ir ampliando a noção de família, vai-se ampliando a noção de irmandade, também terei uma maior capacidade de inclusão, de tolerância, de paciência e todas as virtudes de base para a fraternidade. Como viabilizar…

Afinal, o que é o Humanismo?

Neste domingo, 11 de setembro de 2016, o “Correio Braziliense”, um periódico da capital federal, publicou uma reportagem de destaque, em duas páginas centrais inteiras, sobre o tema “Afinal, o que é o humanismo?”. O que me surpreendeu um pouco foi o fato de que o tema, que é eminentemente filosófico, não tenha tido nenhum filósofo entre os entrevistados; havia desde políticos, atores, psicólogos, músicos etc. As abordagens, até certo ponto, eram parecidas: foco na inclusão social e na não discriminação das diferenças, tema da moda… Mas os filósofos não participaram desta “inclusão”! Bem, como não fui entrevistada e estou escrevendo na minha própria página, posso me dar ao luxo de fazer a abordagem que quiser, ainda que “fora de moda”. Acredito que tanto o renascentismo quanto o iluminismo e outras correntes e pensadores não colocaram o foco no “humano” para excluir Deus ou outro assunto qualquer, mas para entendê-lo em profundidade. Vindo do latim “humus”, terra, o ser humano necessita, como todos os seres, de encontrar o seu lugar nesta terra que o gerou, pois todos os seres se realizam sendo aquilo que lhe corresponde, ou seja, realizando o seu ideal. Pensamento platônico, sim, mas bem atual. As plantas,…

A Primavera e a renovação

Tornou-se quase que um lugar comum falar de primavera como renovação: das flores que voltam, da alegria da natureza, sempre ao som das “Quatro Estações” de Vivaldi ou assistindo “Fantasia”, do Disney. Por que um filósofo viria questionar este cenário idílico? simplesmente porque os filósofos acreditam que, assim como todas as coisas se renovam naqueles seres a quem pertencem, a reflexão também deve ser “renovar” nos homens. Renovar parece palavra simples, mas tem umas entrelinhas complicadas e enganosas. Pelo dicionário, significa “fazer com que (algo) fique como novo” ou “volte a ser como novo”. Bem, uma flor, quando nova, é como um foco para onde convergem todos os olhares, pela sua beleza, cor e graça; ela mesma, não volta jamais a ficar assim, mas a natureza produz outras, na próxima primavera… idênticas? quase. Num passar de dezenas anos, são muito parecidas, a cada ciclo; em milhares de anos… já começam a se modificar, lentamente. O que deduzir disso? A flor, como indivíduo, não se renova; a natureza, como coletividade, sim. E aí, entramos na peculiaridade da condição humana: interessa-nos a individualidade, e não apenas a nossa imersão inconsciente na marcha do coletivo. Interessa-nos (ou deveria nos interessar!) crescer por mérito…

Inteligência Natural

Em uma época em que o tema “inteligência artificial” está tão em moda a ponto de já existir, por parte dos mais imaginativos, uma espécie de contagem regressiva para a chamada “singularidade”, momento em que a inteligência de uma máquina superará a de um ser humano, gostaria de fazer uma pequena contribuição, uma gota de reflexão para ajudar a ver com mais detalhes aquilo que se pretende copiar: a inteligência natural. Tenho falado bastante, em minhas conferências (existe uma especificamente sobre Consciência Humana e Inteligência Artificial, inclusive, disponível no Canal da Nova Acrópole no YouTube), sobre a etimologia da palavra inteligência, que a relaciona com “escolher dentre”, ou seja, com discernimento e identidade, que nada mais são do que o encontro de si mesmo, apesar da poderosa persuasão do meio querendo “escolher” por nós. Já tratei bastante, também, acerca de uma série de vias de conhecimento bem peculiares à inteligência humana que não compreendemos; inclusive, em muitos casos, sequer sabemos de sua existência. Mas o que sugiro, neste pequeno artigo, é dar destaque a um outro detalhe do assunto, além dos já citados, sugerido por alguns autores clássicos, mas também acrescido de algumas vivências de minha parte. Pois bem, percebo…

Pierre Hadot: conselhos práticos para a arte de viver

A obra “A filosofia como maneira de viver”, onde o filósofo francês, Pierre Hadot, falecido em 2010, compartilha seu pensamento sobre a necessidade de retomarmos a filosofia como forma de vida, traz ensinamentos valiosos para os nossos tempos atuais: a filosofia como conselheira para o bem viver e como forma de encontrar um sentido maior para a vida, a partir de uma mística própria e lógica, não necessariamente religiosa, embora tenha tido as primeiras influências enquanto sacerdote. Tomando como base pensadores como Platão, Aristóteles, os neoplatônicos (Plotino) e os estoicos (Marco Aurélio) e ainda Immanuel Kant, São João da Cruz e São Tomás de Aquino, Hadot conta, a partir de sua experiência, como a filosofia é uma ferramenta útil para responder às questões da vida. Principalmente nos tempos atuais em que vivemos. A mística nasceu na filosofia e depois foi integrada à religiosidade porque o objetivo da filosofia sempre foi transcender a banalidade, a visão comum do mundo. A filosofia antiga, segundo ele, não era “uma pura teoria, mas um modo de vida para promover o progresso espiritual e a transformação interior”, que nos permite aprender a ver as coisas sem nos projetarmos nelas, sem nossos pré-conceitos e medos, com…

Tanta pressa…

Mais uma manhã, tarde e noite, indo e voltando, com carros que passam voando por mim. Um dia, minha filha me falou que as pessoas deveriam colocar o número do seu celular no vidro… “- Para quê, minha filha?”, perguntei, sem captar o tom levemente irônico na voz: “- Para ligarmos e sabermos se deu tempo, mãe! Deve ser muito urgente o que ele vai fazer!” É verdade; deve ser mais do que urgente: deve ser desesperador. Sem bairrismos, Brasília deve ter alguns dos mais belos amanheceres e crepúsculos do mundo; sempre se pode ouvir algum sabiá dobrando o trinado, pelo caminho; sempre se vê algum cãozinho desocupado rebolando de barriga para cima na grama úmida (deve ser muito bom, isso!). Mas nós….temos pressa. Não vou aqui delinear o óbvio, que todos já preveem: a maioria absoluta não tem pressa nenhuma. Correm para a televisão, para a mecanicidade, para o sono, para a solidão. Não há alvo a alcançar com essa correria; em geral, nada que seja urgente ou que tenhamos sabido tornar importante. Depois de anos sem entender e nem mesmo me perguntar pelas razões disso, acabei convidada, pelas circunstâncias, a uma resposta. Numa estrada vazia, um caminhão seguia…

O suco de laranja de um filósofo

N. Sri Ram, um grande filósofo do século passado, possui um conceito sobre a memória que, às vezes, se torna um tanto difícil de explicar, tendo em vista nossos valores atuais. Um dia desses, ao preparar um suco de laranja, pensava sobre isso.  Extrai-se o sumo de diversas laranjas, e a quantidade de cascas e bagaço é bem grande. Imaginei a seguinte situação: que o consumo deste suco fizesse bem à vista, e que, ao consumi-lo e ver melhor o mundo à minha volta, me sentisse grata àquelas cascas e bagaços, e quisesse levá-los comigo… Num dado momento, o fardo de arrastá-los seria tão grande que chegaria a neutralizar ou superar os benefícios da amplitude de visão trazido por este sumo… Assim ocorre com a memória dos fatos: seu “sumo”, o aprendizado, apura nossa visão interna, gerando sabedoria, capacidade de resposta humana à vida; isso, essa parcela válida do passado, integra o que sou agora, no presente, sem ter de recorrer ao contexto do qual a extraí. Não necessito de nenhum tempo, senão deste tempo, em que estou de corpo e alma, e no qual o passado está incorporado e sintetizado naquilo que sou. Arrastar um fardo de cascas secas…